quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Shikantaza no rio Liffey: uma leitura Zen de Ulysses de Joyce

Ulysses é o registo de um dia comum, o dia 16 de Junho de 1904, em Dublin. O “herói” deste dia comum é um homem comum, Leopold Bloom, e o livro é o “épico” do seu dia comum em toda a sua pequena e gloriosa banalidade. Bloom é qualquer homem a viver tudo. Realmente tudo! O método de Joyce não deixa nada de fora; este é um espectáculo da totalidade da vida. Neste relato abrangente do dia de Bloom, tudo está ao mesmo nível; para o artista, um facto não tem mais valor do que outro. Ao testemunhar tudo o que surge, Joyce pratica a equanimidade perfeita quando representa os seus personagens tais como eles são. Um antigo mestre Zen uma vez exclamou: “Que belos flocos de neve! Eles não caem num outro lugar.” De igual modo, quando lhe perguntaram numa entrevista por que o pai de Bloom era húngaro, Joyce respondeu, “Porque o é!” Joyce retrata a vida como um todo integrado e coerente, em que cada detalhe é visto tal como é, no seu lugar.

Pode ser dito que a premissa espiritual do livro é uma aceitação total da vida, uma noção fundamentalmente budista. De facto, uma prática essencial do Zen Japonês é aquilo a que se chama shikantaza, que significa literalmente “somente-sentar” ou “só sentar.” É uma prática que não utiliza nenhum suporte meditativo --- nenhum mantra, nenhum objecto de concentração, nenhuma técnica --- e que é caracterizada por uma intensa e não-discursiva atenção. Pode ser simplesmente definida como testemunhar a totalidade da vida. O autor de Ulysses, um irlandês de meia-idade exilado numa Europa do início do Século XX desfeita pela selvageria da guerra, estava de acordo com o Terceiro Patriarca do Zen, o qual escreveu, muitos séculos atrás na China antiga, “O caminho perfeito não é difícil para os que não têm preferências.” Ele também dá eco a outro provérbio tradicional do Zen: “O dharma é igual, sem alto, nem baixo.”


Sensei Amy Hollowell

2 comentários:

Joana Carvalho disse...

Ao presenciar o que foi dito a minha alma sorria. Tão bom não perder momentos tão inteiros... Mesmo com a tradução que, de certa forma invadiu a fluência do discurso, foi dito, sem mais, aquilo que importava dizer...

chumani disse...

Obrigada Joana, pois, a tradução não ajudou... mas foi sem dúvida uma revelação